Do Atlântico à N2: viagem pelo litoral e pela Estrada Nacional 2

Publicado em 18 de outubro de 2025 às 21:00

Viajar por Portugal é, muitas vezes, uma forma de redescobrir tudo aquilo que o torna único. Um país pequeno em tamanho, é verdade, mas imenso em paisagens, sabores e histórias que se revelam a cada curva do caminho. Em maio de 2023, decidimos finalmente concretizar uma viagem que há muito estava nos nossos planos: percorrer a costa portuguesa de norte a sul, com o mar sempre por perto, e regressar pelo interior, ao longo da mítica Estrada Nacional 2, desta vez no sentido sul–norte.

Foram oito dias intensos, cheios de contrastes e encantos. Do litoral vibrante e cheio de vida às paisagens tranquilas e quase intocadas do interior, cruzámos aldeias, cidades, praias escondidas, serras imponentes e muitas estradas secundárias que nos mostraram um Portugal mais autêntico e surpreendente.

Fizemos esta viagem na nossa Aprilia Tuareg 660, que na altura era a nossa fiel companheira de estrada. Hoje, já não faz parte da garagem, mas continua bem presente na memória, como parte essencial desta aventura que ficou gravada para sempre.

Dia 1 – De Chaves a Barcelos: um arranque marcado pela chuva

26 Maio 2023 - 140 km percorridos

A primeira etapa da viagem começou em Chaves, pouco depois do almoço, com destino a Barcelos, ponto de partida oficial para a descida pela costa portuguesa. Apesar de se tratar de um percurso relativamente curto, as condições meteorológicas não foram as mais favoráveis.

Era a primeira experiência numa viagem longa de mota, com bastante bagagem e ainda muito por aprender em termos de organização, planeamento e condução em condições adversas. Tudo era novo e essa novidade misturava-se com a ansiedade natural de quem está prestes a iniciar uma aventura.

O céu apresentava-se carregado, com vento forte e nuvens densas que não tardaram a transformar-se em chuva intensa. Já a bordo da Aprilia Tuareg 660, seguimos com cautela, adaptando a condução ao que a estrada pedia.

Pouco tempo depois de sair de Chaves, a chuva tornou-se mais forte e obrigou-nos a parar numa área de serviço para procurar abrigo. A estrada molhada, o frio e as rajadas de vento tornaram o percurso exigente e obrigaram a abrandar o ritmo. Não foi o início ideal, mas foi o possível.

À chegada a Barcelos, houve ainda tempo para jantar com familiares. Mas o momento mais marcante do dia aconteceu pouco antes. Durante o caminho até ao restaurante fomos surpreendidos por uma tempestade repentina, com chuva intensa e granizo em grande quantidade. O impacto das pedras de gelo nos capacetes era tão forte que parecia ficção. Um daqueles momentos desconfortáveis e inesquecíveis, que nos lembram da vulnerabilidade de quem viaja em duas rodas, exposto a tudo.

Dia 2 -De Barcelos a Pedrogão: entre sabores e estradas secundárias

27 de maio de 2023 – 260 km percorridos

O segundo dia da viagem começou em Barcelos, com as memórias ainda frescas do arranque atribulado, mas também com as energias renovadas. O céu dava sinais de abertura e isso bastou para encarar a estrada com mais confiança. O plano mantinha-se: evitar autoestradas e seguir por nacionais, à procura de um Portugal mais autêntico, feito de lugares menos óbvios e paisagens que só se revelam a quem tem tempo.

A manhã foi passada entre pequenas localidades, zonas rurais e a travessia inevitável pelo Porto, onde o trânsito e o ritmo mais agitado contrastaram com a calma do resto do percurso. Sem pressas, deixámos que a estrada nos levasse até Aveiro, onde decidimos parar para almoçar no restaurante Santa Brasa. A comida surpreendeu pela positiva, mas houve um detalhe que nos deixou um pouco desconfortáveis. Ao perguntar pelas doses, disseram-nos que eram individuais, mas quando os pratos chegaram percebemos que davam facilmente para mais do que uma pessoa. Comemos bem, é verdade, mas ficou aquela sensação de termos sido empurrados para algo que não era necessário. Pequenos pormenores que também fazem parte da viagem.

De regresso à estrada, o mar voltou a aproximar-se e com ele o cheiro a sal e a brisa que entra pelo capacete e nos lembra porque gostamos tanto de viajar assim. A zona centro do litoral pode não ter o mesmo destaque que outras regiões, mas guarda uma beleza tranquila, genuína, sem artifícios.

Foram cerca de 260 quilómetros até Pedrógão, onde ficámos alojados na Pedrogão Guest House. Um espaço simples, mas com tudo o que é essencial: conforto, simpatia e uma sensação de acolhimento que nos fez sentir mesmo em casa. Sem dúvida um daqueles sítios que vale a pena recomendar.

Com tempo ainda para aproveitar o fim de tarde, escolhemos jantar à beira-mar, no restaurante A Rocha. E o que parecia apenas uma refeição, acabou por se tornar num dos momentos altos da viagem. O peixe grelhado, servido com simplicidade e sabor, foi talvez o melhor que já comemos. Fresquíssimo, no ponto certo, daqueles pratos que nos fazem fechar os olhos ao primeiro garfo e que ficam gravados na memória.

O dia terminou com uma pequena caminhada de regresso ao alojamento, ao som do mar e com a sensação de quem, em apenas dois dias, já começa a perceber que esta viagem está a ser tudo o que se esperava e talvez até mais.

Dia 3 - De Pedrogão a Cacém: encontro, motas e memórias

28 de Maio de 2023- 286 km percorridos

Acordámos em Pedrogão com o som do mar ainda presente na cabeça e aquela leve nostalgia de quem se despede de um lugar onde foi feliz, mesmo que por pouco tempo. Mas a estrada chamava por nós e o dia prometia ser especial. Íamos ver familiares e amigos e nada como juntar motos e boa companhia para tornar a viagem ainda mais memorável.

Partimos rumo a Peniche, sempre por nacionais, como já era regra nesta aventura. A costa ia desfilando à nossa direita, com o Atlântico a marcar presença constante e a cada curva surgia uma nova paisagem que nos obrigava a abrandar.

Chegados a Peniche, reencontrámos familiares vindos de Sintra e amigos deles também apaixonados por motos. É sempre bom cruzarmo-nos com quem partilha o mesmo espírito de estrada.

Almoçámos todos juntos num restaurante típico da zona. Infelizmente, por mais que tentássemos recordar o nome do sírio, nunca o conseguimos encontrar. Talvez tenha fechado ou não, mas ficou-nos a lembrança do sabor e da companhia.

Depois do almoço ainda fomos até Óbidos provar a famosa ginja e seguimos rumo ao Cacém, onde íamos pernoitar em casa de familiares.

Ao fim da tarde, já no Cacém, terminámos o dia à volta da mesa, num jantar caseiro. Há dias assim, em que o destino importa menos do que as pessoas com quem o partilhamos. Este foi um deles.

Dia 4 - Do Cacém a Santiago do Cacém: sabores simples, estradas tranquilas

29 de Maio de 2023 - 214 km percorridos

Depois de uma noite bem passada em casa da família no Cacém, acordámos prontos para voltar à estrada. A mota, já parte de nós nestes dias de viagem, esperava à porta com a promessa de mais um dia cheio de descobertas. O destino final era Santiago do Cacém, mas antes tínhamos uma paragem obrigatória, o restaurante Bifanitas na Marateca.

A viagem até lá foi tranquila, por estradas nacionais que nos levaram a cruzar zonas mais rurais e menos movimentadas, aquelas que muitas vezes passam despercebidas, mas onde Portugal mostra a sua essência mais pura. Chegados ao Bifanitas percebemos que a fama do restaurante não era exagerada. A comida era incrível, daquele tipo que se serve com generosidade e sabor, sem complicações. Numa época em que tudo parece inflacionado, comer ali foi quase como voltar atrás no tempo. Simples e autêntico.

De barriga cheia e espírito leve, voltámos à estrada. Rumámos a sul, atravessando paisagens que já anunciavam a transição para o Alentejo, campos dourados, horizontes abertos e um silêncio que só era interrompido pelo som do motor e do vento no capacete. A certa altura já não estávamos só a viajar, estávamos a respirar o país, a senti-lo na pele.

Chegámos a Santiago do Cacém ao fim da tarde e ficámos alojados no Hotel A Deolinda. Simples, confortável e com tudo o que precisávamos para descansar. Mais uma boa escolha nesta viagem onde cada paragem parecia acertada.

Para o jantar escolhemos o restaurante O Parque, onde nos esperava uma picanha suculenta e bem servida. A refeição foi tão boa que não hesitamos em recomendar, daqueles sítios onde se come bem, é-se bem tratado e se sai com vontade de voltar.

Foi um dia mais calmo em termos de quilómetros, mas muito rico em experiências e, claro, em comida. A estrada estava a mostrar-nos não só paisagens, mas também os sabores que tornam Portugal tão único. E isso, para nós, é também viajar.

Dia 5 – De Santiago do Cacém a Faro: calor, bruxinhos e o início da N2

30 de maio de 2023 – cerca de 250 km percorridos

O dia começou em Santiago do Cacém, ainda com a boa memória do jantar da noite anterior, mas infelizmente com um pequeno-almoço que ficou muito aquém. No Hotel A Deolinda esperávamos algo mais substancial, especialmente para quem tinha pela frente um longo dia de estrada. Foi uma pena, não tanto pelo luxo, mas pela importância de começar bem o dia quando se viaja de moto.
Seguimos rumo a Sagres, animados com a ideia de chegar ao ponto mais sudoeste do continente, mas também com fome de conhecer mais da nossa costa. A estrada foi agradável, com o Alentejo a transformar-se aos poucos no Algarve, mais curvas, mais turistas, mais trânsito.
Já em Sagres escolhemos almoçar no restaurante Museu do Perceve, atraídos pela originalidade do nome e pela promessa de sabores locais. A experiência foi mista: por um lado, comida muito boa, e pela primeira vez provámos bruxinhos, um petisco típico que nunca tínhamos experimentado. Por outro lado, os preços eram claramente inflacionados, algo a que infelizmente já nos vamos habituando em zonas muito turísticas do país. Valeu pela experiência, mas não voltávamos pelo valor.
Com o almoço feito, preparámo-nos para a etapa seguinte, Sagres até Faro. E aqui, sinceramente, vivemos um dos trechos mais difíceis da viagem. A estrada foi lenta, monótona e extremamente quente. O calor era tanto que se tornava quase insuportável dentro do equipamento de proteção. Havia momentos em que a única coisa que queríamos era chegar, tirar o capacete e respirar. A paisagem deixou de importar, o prazer da condução desapareceu, ficou apenas a resistência física e mental.
Finalmente, ao final da tarde, chegámos a Faro, onde nos hospedámos no Hotel Ibis, simples, funcional e com o conforto necessário depois de um dia desgastante. Mas foi ali, em Faro, que começou uma nova fase da nossa aventura, iniciámos oficialmente a travessia da mítica Estrada Nacional 2 e começámos a preencher a nossa caderneta da N2, algo que há muito queríamos fazer. Era como mudar de capítulo, passando da costa ao interior.
Para fechar o dia escolhemos jantar na Faaron Steak House e desta vez não houve espaço para desilusões: comida excelente, atendimento cuidado e um ambiente acolhedor. Uma refeição que veio mesmo a calhar depois de um dia tão puxado.
Apesar do cansaço sabíamos que o melhor ainda estava por vir. A N2 esperava por nós e com ela o coração do país.

Dia 6 – O início da N2: de Faro a Montargil, com sabores alentejanos e um final de luxo

31 de maio de 2023 – 278 km percorridos

Este foi um dia especial. Depois de vários dias a contornar o país pelo litoral, iniciámos oficialmente a travessia da Estrada Nacional 2, aquela que atravessa Portugal de sul a norte e que tantas vezes imaginámos fazer. Partimos de Faro com a caderneta da N2 ainda praticamente em branco, prontos para mergulhar no coração do país, por estradas menos óbvias e muito mais autênticas.
Seguimos em direção a Ferreira do Alentejo, atravessando paisagens cada vez mais áridas, planícies douradas e pequenas localidades onde o tempo parece ter outro ritmo. A viagem foi tranquila e o calor, apesar de ainda presente, era mais suportável do que o que tínhamos vivido no dia anterior. Sentíamos que a viagem tinha mudado de energia, menos turismo, mais interior, menos pressa, mais contemplação.
Em Ferreira parámos para almoçar no restaurante O Portão, um daqueles sítios que valem mesmo a pena conhecer. O cabrito foi absolutamente divinal, tenro, saboroso, no ponto certo. O Alexandre já conhecia o espaço por causa do Lés-a-Lés e percebemos bem por que motivo tinha guardado esta referência. A comida alentejana, quando é bem feita, tem qualquer coisa de reconfortante e inesquecível.
Reabastecidos, nós e a moto, seguimos viagem pela N2 até Montargil onde tínhamos reserva no Hotel Lago Montargil & Villas. E que escolha acertada. Podemos dizê-lo sem hesitação, foi o melhor hotel onde já ficámos em Portugal. Desde o conforto dos quartos à vista sobre a barragem, passando pela piscina, os espaços exteriores e a tranquilidade do lugar, tudo contribuiu para um final de dia perfeito.
E como se isso não bastasse decidimos jantar no restaurante à la carte do próprio hotel, onde fomos surpreendidos por uma carta deliciosa e um ambiente de puro requinte. Os pratos estavam todos ao mais alto nível, mas não podemos deixar de destacar a sangria que foi das melhores que já provámos. Daquelas que nos fazem dizer “temos mesmo de voltar aqui” e foi o que fizemos em agosto de 2024, para umas mini férias que confirmaram tudo o que já tínhamos sentido.
O dia terminou com a sensação de que a N2 tinha começado da melhor forma, boas estradas, boa comida e um final digno de postal. Estávamos oficialmente no coração de Portugal e a estrada ainda tinha muito para nos mostrar.

Dia 7 – De Montargil a Penacova: estradas, carnes e momentos de pura gastronomia

1 de junho de 2023 – cerca de 280 km percorridos

Deixámos Montargil de manhã com a sensação de que cada dia na N2 nos levava a lugares cada vez mais genuínos e surpreendentes. O destino era Pedrogão Grande onde estávamos ansiosos por uma pausa para almoçar e para matar saudades da gastronomia local.
Chegámos à Steak House O Jardim, um restaurante que rapidamente conquistou o nosso apreço. Tudo ali era maravilhoso, a carne suculenta, o atendimento simpático e o ambiente descontraído fizeram-nos sentir em casa. Este é daqueles sítios que recomendamos vivamente a quem, como nós, viaja com a fome de descobrir bons sabores.
Refeitos e felizes, seguimos para o Hotel Monte Rio Aguieira, localizado na freguesia de Aldeia Nova, Penacova. O hotel superou as expectativas, especialmente pelo preço, uma excelente relação qualidade-preço num espaço confortável e bem cuidado. Perfeito para descansar após mais um dia intenso na estrada.
Ainda tivemos energia para jantar no Hotel Rural Quinta da Conchada, também em Penacova. Mais uma vez fomos brindados com uma experiência gastronómica memorável. Quando viajamos temos o hábito de escolher restaurantes onde a comida é protagonista e a Quinta da Conchada não desiludiu. Uma verdadeira celebração dos sabores tradicionais com um toque de requinte que faz toda a diferença.
Neste dia percebemos que para nós viajar é também sinónimo de descobrir e saborear porque uma boa mesa é muitas vezes a cereja no topo de uma jornada perfeita.

Dia 8 – De Penacova a Chaves: encontros, francesinhas e a chegada ao quilómetro zero

2 de junho de 2023 – cerca de 280 km percorridos

Chegámos ao último dia desta aventura incrível com a sensação de missão cumprida mas também com aquele misto de saudade antecipada que só quem viaja por longos dias conhece. Saímos do hotel em Penacova com o destino em mente, Lamego, onde nos esperava um encontro especial com um casal de amigos.
Juntos fomos conhecer um restaurante famoso pelas suas francesinhas, uma das iguarias que mais gostamos de descobrir e provar ao longo do país. No entanto algo estava diferente. O restaurante que encontramos parecia ter mudado, seja de nome, seja de gerência, e a experiência não foi exatamente a mesma que recordávamos das pesquisas ou das visitas anteriores. Ainda assim foi um momento de partilha e convívio que nos aqueceu o coração.
Após o almoço continuámos a viagem rumo a Chaves onde o nosso percurso pela Estrada Nacional 2 chegaria ao fim. O quilómetro 0, ponto simbólico e tão aguardado, marcou o fim da nossa travessia de sul a norte. Parar ali foi uma sensação única, a mistura de cansaço, orgulho e gratidão por tudo o que vimos, sentimos e vivemos.

 

 

Esta viagem deixou-nos não só com memórias inesquecíveis, mas também com a certeza de que Portugal, em cada curva, em cada estrada nacional, tem histórias que merecem ser contadas e vividas.
E foi assim que aconteceu a nossa primeira viagem de mota mais longa. Aprendemos muito sobre como organizar a bagagem, escolher os locais certos e o que procurar antes de partir para uma aventura destas. Muitos detalhes, fotos e dados ficaram pelo caminho porque, honestamente, nunca imaginaríamos que esta viagem se tornaria a inspiração para um blogue e uma página no Instagram. Decidimos escrever e partilhar esta experiência não só para manter as memórias sempre vivas, mas também para criar conteúdo interessante para quem, como nós, adora explorar Portugal sobre duas rodas.
Esta viagem marcou-nos profundamente e abriu-nos a porta para muitas outras aventuras. Esperamos que as nossas histórias sirvam de inspiração e motivação para quem ainda tem Portugal para descobrir, seja pela costa, pelas estradas nacionais ou simplesmente pela vontade de partir à aventura.
Até à próxima viagem!

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